O marido traído tem direito à indenização por danos morais a ser paga pelo amante de sua ex-esposa?
A 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (4/4/2013) enfrentou o assunto.
Vamos conhecer o que decidiu a Corte?
Imagine a seguinte situação (os nomes são fictícios e há algumas adaptações):
Dr.
Bento Santiago (Bentinho) era casado com Maria Capitolina Santiago
(mais conhecida por Capitu) e, durante a relação, nasceu Ezequiel,
registrado como filho do casal.
A relação entre Bentinho e Ezequiel sempre foi excelente, tendo sido desenvolvido um intenso vínculo de afeto.
Bentinho
e Capitu decidiram se separar. No entanto, a relação entre pai e filho
permaneceu forte, sendo certo que Bentinho realizava inúmeras despesas
com o sustento, educação e lazer de Ezequiel.
Anos mais tarde,
Bentinho descobre, por meio de exame de DNA, que não é pai biológico de
Ezequiel, sendo este filho de Escobar, amigo do casal, fruto de um
relacionamento adulterino que manteve com Capitu na época.
Ação de indenização
Diante
dessa terrível revelação, Bentinho ajuizou ação de indenização contra
Capitu e Escobar, cobrando o ressarcimento de todas as despesas que
realizou com Ezequiel, além de uma reparação por danos morais em virtude
de ter sido humilhado em seu círculo social pela torpeza da ex-mulher e
do suposto amigo.
Escobar (o amigo/amante) tem o dever de indenizar Bentinho?
NÃO.
Em que pese o alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se
envolve com pessoa casada, o STJ, recentemente, entendeu que o
“cúmplice” da esposa infiel não é solidariamente responsável a indenizar
o marido traído, pois tal fato não constitui ilícito civil ou penal. Em
outras palavras, o “cúmplice” (amante) não é obrigado, por lei ou
contrato, a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a revelar ao
marido traído que está mantendo relacionamento extraconjungal com a sua
esposa (3ª Turma. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 4/4/2013).
Além do entendimento manifestado nesse julgado, o STJ já possuía outro precedente no mesmo sentido. Confira:
(...) O cúmplice de cônjuge infiel não tem o dever de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade conjugal em casamento do qual não faz parte. (...)
O réu é estranho à relação jurídica existente entre o autor e sua ex-esposa, relação da qual se origina o dever de fidelidade mencionado no art. 1.566, inciso I, do Código Civil de 2002.
(REsp 1.122.547/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/11/2009)
Assim,
a conduta de Escobar, ainda que moralmente reprovável, não gera dever
de indenizar o traído por eventuais danos materiais ou morais que ele
tenha sofrido.
Capitu (a ex-esposa) deverá pagar indenização
por danos materiais a Bentinho? Em outros termos, ela deverá restituir
as despesas que ele fez com o sustento, educação e lazer de Ezequiel,
criado como filho do casal?
NÃO. Entre Bentinho e Ezequiel
foram desenvolvidos laços de afeto, configurando-se verdadeira
paternidade socioafetiva, motivo pelo qual resta vedada a pleiteada
repetição da verba alimentar paga durante o período em que perdurou o
convívio com o então filho.
Além disso, o fato de um dos cônjuges
não ter cumprido o dever de fidelidade, inerente ao casamento, não pode
servir para prejudicar a criança e a relação de paternidade
socioafetiva que foi gerada.
Ressalte-se que a jurisprudência do
STJ afirma que a filiação socioafetiva deve ser reconhecida e amparada
juridicamente (REsp 1.244.957/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 07/08/2012).
Vale ressaltar, por fim, que o
valor pago para suprir as necessidades do filho, ainda que erroneamente
registrado, é irrepetível, considerando que se trata de verba alimentar.
Capitu (a ex-esposa) deverá pagar indenização por danos morais a Bentinho?
SIM. Em um caso concreto, envolvendo essas peculiaridades, o STJ entendeu que era devida a indenização por danos morais.
Mas
atenção: não se está afirmando que o cônjuge adúltero (mulher ou homem)
sempre terá a obrigação de indenizar o seu consorte por danos morais em
caso de traição.
O que se está dizendo é que, no caso concreto, o
STJ considerou devida a indenização considerando que, além da traição,
houve um outro fato muito relevante: durante anos, a ex-esposa escondeu
de seu ex-marido que o filho que ele criava não era seu descendente
biológico, mas sim de seu amigo.
Dessa forma, diante desses dois
fatos, naquele caso concreto, o STJ entendeu que era cabível o pagamento
de reparação por danos morais.
Vamos explicar melhor os principais argumentos utilizados pelo STJ no julgado quanto a essa última pergunta:
Segundo
ponderou, o Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, atualmente, o direito não
mais dá importância em identificar o culpado pelo fim de uma relação
afetiva. Isso ficou ainda mais claro com o fim da separação judicial,
operacionalizada pela EC 66/2010.
Esse
desprezo atual do direito pela investigação de quem é culpado
representa um enorme avanço no tratamento do tema considerando que
deixar de amar o cônjuge ou companheiro é uma circunstância de cunho
estritamente pessoal, não podendo ser taxado de ato ilícito apto a
ensejar indenização.
Assim, a dor sentida pelo cônjuge/companheiro abandonado pelo fim de uma relação NÃO é apta, em regra, a ensejar danos morais.
Além disso, a violação dos deveres impostos por lei para o casamento (art. 1.566 do CC) e para a união estável (art. 1.724 do CC)
NÃO constitui, por si só, ofensa à honra e à dignidade do consorte,
apta a ensejar a obrigação de indenizar. Em suma, em regra, o
cônjuge/companheiro que descumpre os seus deveres NÃO tem obrigação de
pagar indenização.
Não é porque houve o desrespeito a um dos
deveres do casamento ou da união estável que haverá, necessariamente, o
dever de indenizar. Não há como se impor o dever de amar. Não se pode
transformar a desilusão pelo fim dos vínculos afetivos em obrigação
indenizatória.
Todavia, não é possível ignorar que a vida em
comum impõe restrições que devem ser observadas, destacando-se o dever
de fidelidade nas relações conjugais. O descumprimento a esse dever
pode, diante de peculiaridades do caso concreto, acarretar danos morais,
como na situação analisada pelo STJ, em que, de fato, restou
demonstrado o abalo emocional do marido pela traição da então esposa,
além da notícia de que seu suposto descendente não era seu filho
biológico.
Dessa forma, no caso concreto, restou configurado o
dano moral, considerando que a ex-mulher traiu a vítima com seu amigo,
fazendo-o, ainda, acreditar que tinha tido um filho biológico que era do
outro.
Na situação em análise, outro ponto a ser ainda destacado
é que o STJ afastou a defesa apresentada pela ex-esposa de que somente
traiu o homem pelo fato de ele não manter com ela relações sexuais.
Segundo explicou o Ministro Relator, não há compensação de culpas no
Direito de Família, sendo a fidelidade um dever incondicionado de ambos
os cônjuges.
Apenas a título de curiosidade, saibam que foi arbitrado o valor da indenização por danos morais em 200 mil reais.
Fonte: Dizer o Direito.
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