sexta-feira, 25 de julho de 2025

Despejo por Denúncia Vazia: A Obrigatoriedade da Notificação Premonitória e o Marco Jurisprudencial do STJ

 1. Introdução: O Cenário das Locações Residenciais e o Despejo no Brasil

O cenário das locações residenciais no Brasil é regido por um arcabouço legal específico, a Lei nº 8.245/1991, popularmente conhecida como Lei do Inquilinato. Esta legislação constitui o pilar fundamental do Direito Imobiliário brasileiro, estabelecendo de forma abrangente os direitos e deveres tanto de locadores quanto de locatários. A lei disciplina, ainda, as penalidades aplicáveis em casos de descumprimento contratual e regulamenta as diversas modalidades de garantias locatícias. Seu foco primordial reside nas locações de natureza residencial, onde se busca um equilíbrio delicado e essencial entre o direito de propriedade do locador, uma garantia constitucional, e a função social da moradia, um princípio de ordem pública que visa proteger o direito à habitação.

A ação de despejo, por sua vez, emerge como o instrumento jurídico compulsório para a retomada do imóvel. O Artigo 5º da Lei do Inquilinato é categórico ao preceituar que, independentemente da causa ou fundamento que motive o término da locação, a única via legal para o locador reaver a posse do imóvel é a propositura da ação de despejo. Este dispositivo legal sublinha a natureza judicial do procedimento de desocupação, garantindo que o exercício do direito de retomada ocorra dentro dos limites estabelecidos pela lei e sob a supervisão do Poder Judiciário. A imposição da ação de despejo como a via exclusiva para reaver o imóvel, seja qual for o fundamento do término da locação, transcende uma mera regra processual. Esta medida reflete uma decisão legislativa deliberada de judicializar integralmente o processo de retomada. Tal abordagem visa prevenir a autotutela e garantir que toda desocupação seja submetida ao crivo judicial, onde princípios constitucionais como o devido processo legal e a função social da propriedade podem ser devidamente ponderados. A obrigatoriedade da ação de despejo, mesmo em situações que poderiam parecer mais simples, demonstra a prioridade legislativa em proteger o direito à moradia. Essa abordagem eleva a complexidade do processo de retomada e exige a intervenção do Poder Judiciário para assegurar a legalidade e a justiça social nas relações locatícias. Este panorama já antecipava a necessidade de intervenções jurisprudenciais para preencher lacunas, como a que se manifestaria no Artigo 46, evidenciando que a proteção do locatário é um valor fundamental no sistema jurídico brasileiro. 

O presente relatório tem como tema central a análise aprofundada da retomada de imóveis em locações residenciais, com especial ênfase nas modalidades de "denúncia vazia" e "denúncia cheia". O ponto fulcral da discussão reside na obrigatoriedade da notificação premonitória para a denúncia vazia em contratos por prazo indeterminado, um entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que será detalhadamente explorado.

2. Denúncia Vazia e Denúncia Cheia: Conceitos e Distinções Essenciais

No contexto das relações locatícias, dois institutos jurídicos se destacam por sua relevância na possibilidade de retomada do imóvel alugado: a denúncia vazia e a denúncia cheia. A compreensão precisa da distinção conceitual entre denúncia vazia (imotivada) e denúncia cheia (motivada) é de suma importância para a correta interpretação e aplicação dos dispositivos legais que regem a locação residencial. 

2.1. Denúncia Vazia (Imotivada)

A denúncia vazia é aplicável quando o contrato de locação é celebrado por prazo indeterminado. Neste cenário, o locador detém a prerrogativa de solicitar a desocupação do imóvel com base em sua simples manifestação de vontade, sem a necessidade de apresentar uma justificativa específica ou um motivo legal pré-determinado. Para que o exercício desse direito seja considerado legítimo e válido juridicamente, era e continua sendo exigida a prévia comunicação formal ao locatário, na qual deve ser estipulado um prazo legal para a desocupação do bem. Embora confira ao proprietário um maior controle sobre seu bem, a denúncia vazia busca harmonizar o direito individual de propriedade, inclusive o de reaver o bem, com o princípio da função social da propriedade, que se relaciona intrinsecamente ao direito à moradia.

2.2. Denúncia Cheia (Motivada)

A denúncia cheia, por sua vez, é a modalidade aplicável aos contratos de locação que possuem prazo determinado. Nesses casos, a retomada do imóvel pelo locador não pode ser arbitrária, devendo estar fundamentada em uma das hipóteses expressamente previstas na Lei do Inquilinato. As justificativas legais que permitem a denúncia cheia incluem, mas não se limitam a: a) inadimplência do locatário; b) infração de cláusulas contratuais; ou c) necessidade de uso próprio do imóvel pelo locador, seja para moradia sua, de cônjuge, companheiro ou descendente/ascendente que não possua imóvel próprio.

2.3. Distinções Conceituais Essenciais

O conceito de "denúncia vazia" pode sugerir uma simplicidade inerente, baseada na mera "manifestação de vontade" do locador. No entanto, o próprio material revela que, mesmo antes da pacificação do STJ, já havia uma exigência de "prévia comunicação formal". A evolução jurisprudencial, ao tornar essa notificação um "pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo" , demonstra que a "vazia" não é, de fato, desprovida de requisitos formais e materiais. Ela é balizada por princípios de boa-fé, função social e proteção do vulnerável, conforme detalhado nos fundamentos da decisão do STJ. A aparente simplicidade da "denúncia vazia" é, portanto, desmistificada pela interpretação e pacificação jurisprudencial. Ela não configura um direito absoluto e irrestrito do proprietário, mas um direito condicionado a formalidades processuais e princípios sociais que visam mitigar os impactos negativos para o locatário. A decisão do STJ, ao exigir a notificação premonitória, transforma a "denúncia vazia" de uma ação puramente "imotivada" para uma ação que, embora não exija um motivo substancial para a retomada, é "motivada" por requisitos processuais e sociais. Este cenário ilustra uma evolução do direito que transcende a mera literalidade da lei, adaptando-a às realidades sociais e aos valores contemporâneos. 

3. A Controvérsia Legislativa: A Omissão do Artigo 46 da Lei do Inquilinato

No âmbito da relação locatícia, dois artigos da Lei de Locações se mostram particularmente relevantes para a compreensão da controvérsia em torno da denúncia vazia: o Artigo 5º e o Artigo 46. O Artigo 5º, como já mencionado, estabelece a ação de despejo como a medida jurídica obrigatória para que o locador possa reaver o imóvel, qualquer que seja o fundamento do término da locação.

A principal controvérsia jurídica que levou à intervenção do STJ reside na notável diferença de redação e nas implicações entre o caput e o § 2º do Artigo 46 da Lei de Locações. O caput deste dispositivo prevê que, para contratos de locação residencial celebrados por escrito e com prazo igual ou superior a trinta meses, o término do vínculo contratual ocorre "independentemente de notificação ou aviso". Isso significa que, ao final do prazo determinado, a desocupação seria automática, sem a necessidade de qualquer comunicação prévia formal por parte do locador.

4. A Pacificação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): Análise Detalhada do REsp 1.812.465/MG

A controvérsia jurídica, gerada pela omissão legislativa no Artigo 46, foi definitivamente pacificada por meio da decisão proferida no Recurso Especial (REsp) 1.812.465/MG. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), enquanto instância máxima responsável pela unificação da interpretação do direito infraconstitucional em todo o território nacional, desempenhou um papel institucional de inegável importância. Ao consolidar o entendimento sobre a matéria, o STJ promoveu maior segurança jurídica e previsibilidade nas relações locatícias.

4.1. A Tese da Obrigatoriedade da Notificação Premonitória

Sob a relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.812.465/MG, firmou o entendimento pela imperiosa necessidade da notificação premonitória. A ementa do julgado expressa de forma inequívoca o posicionamento da Corte: "RECURSO ESPECIAL CIVIL. LOCAÇÃO RESIDENCIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. AÇÃO DE DESPEJO. DENÚNCIA VAZIA. NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA. AUSÊNCIA. OBRIGATORIEDADE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.".

Com essa decisão, o STJ pacificou o entendimento de que a notificação premonitória é obrigatória para a denúncia vazia, suprindo, assim, a lacuna deixada pelo legislador no Artigo 46, § 2º. Mais do que uma mera formalidade, a notificação prévia foi categorizada como um pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo na ação de despejo por denúncia vazia. Isso significa que sua ausência impede que o processo judicial seja validamente iniciado, tornando-a uma condição indispensável para a propositura eficaz da demanda. A tese firmada foi amplamente divulgada no informativo de jurisprudência 672 do STJ, em 19 de junho de 2020, consolidando-se como orientação para casos futuros.

4.2. Consequências da Ausência da Notificação Prévia

A principal e mais grave consequência da ausência da notificação prévia do locatário é a extinção do processo sem resolução de mérito. Tal desfecho implica que o processo judicial não pode prosseguir em sua análise de mérito, tornando imperativo o reinício da demanda judicial apenas quando todos os requisitos essenciais, incluindo a notificação devidamente comprovada, estiverem integralmente cumpridos.

Antes do julgamento do REsp 1.812.465/MG, a exigência de notificação prévia para a denúncia vazia era um ponto de divergência nos tribunais, com algumas correntes admitindo que ela pudesse ser realizada "no bojo da própria ação de despejo". A decisão do STJ, no entanto, alterou fundamentalmente essa percepção, elevando a notificação de uma simples formalidade ou ato meramente informativo a um pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Isso implica que a ausência da notificação não é um vício sanável durante o curso do processo, mas uma falha intrínseca e fundamental que impede a própria formação e validade da relação processual. Essa elevação do status jurídico da notificação tem um impacto prático e estratégico de grande magnitude. Para o locador, significa que a notificação não pode ser negligenciada ou tratada como um "detalhe" a ser resolvido após o ajuizamento da ação; ela é uma condição sine qua non para a validade da demanda, exigindo um planejamento prévio meticuloso e um cumprimento rigoroso. Para o locatário, essa decisão reforça significativamente sua proteção, pois a ausência da notificação resulta na extinção do processo, e não apenas em uma emenda ou correção. Isso demonstra a seriedade com que o STJ aborda a proteção da parte vulnerável na relação locatícia e a necessidade de eliminar o "elemento surpresa", garantindo maior previsibilidade e justiça. 

5. Fundamentos Sociais e Princípios Jurídicos da Decisão do STJ

A decisão proferida pelo STJ não se limitou a uma interpretação meramente técnica da Lei do Inquilinato; ela incorporou e reforçou a importância da função social da propriedade e dos contratos, mesmo no contexto da desocupação imotivada. O julgado representa uma harmonização exemplar entre o direito fundamental de propriedade, consagrado no Artigo 1.228 do Código Civil, e os princípios constitucionais da função social do contrato e da propriedade, que são pilares do direito civil contemporâneo e da ordem jurídica brasileira.

O STJ, em sua fundamentação, destacou que o exercício de um direito individual não pode, de forma alguma, prejudicar indevidamente a parte que se encontra em posição de vulnerabilidade na relação jurídica. A notificação prévia, nesse contexto, é concebida como uma medida protetiva essencial em favor dos locatários. Ela visa assegurar uma salvaguarda processual que não apenas previne litígios desnecessários, mas também contribui significativamente para a redução dos conflitos jurídicos, ao garantir transparência e tempo de reação à parte mais fraca.

Um dos objetivos primordiais da notificação premonitória, conforme a decisão, é a redução dos impactos negativos que invariavelmente surgem com a efetivação de um despejo. Ela busca, sobretudo, evitar o elemento surpresa para o locatário no momento do ajuizamento da ação. É de suma importância considerar que, na ausência de aviso prévio, o inquilino poderia ser responsabilizado pelo ônus da sucumbência e pelos honorários advocatícios, o que torna a exigência da notificação ainda mais crucial para a proteção de seus interesses. A notificação premonitória confere ao locatário um tempo precioso e indispensável para que possa se preparar adequadamente para a desocupação do imóvel e, consequentemente, para a busca e obtenção de uma nova moradia. Isso é vital para minimizar os transtornos e dificuldades inerentes a uma mudança forçada, especialmente diante dos desafios impostos pela busca de um novo lar. Dessa forma, a notificação assume uma importante finalidade social, impedindo que o prejuízo já inerente à mudança seja ainda mais agravado pela falta de tempo e planejamento.

O julgado do STJ faz uma referência direta e significativa à doutrina civilista contemporânea, apontando para o princípio do aviso prévio de uma sanção. Este é um princípio fundamental do direito contratual e processual que estabelece o direito das partes em uma relação contratual de serem cientificadas antes da imposição de qualquer restrição de direitos ou da aplicação de uma sanção. Há citação explícita do renomado doutrinador Sylvio Capanema de Souza, em sua obra "A Lei do Inquilinato Comentada", que destaca a inegável finalidade social e a necessidade prática da notificação premonitória. 

Um ponto crucial da decisão do STJ é o reconhecimento de que a aplicação do direito não deve se restringir a uma interpretação meramente formalista e literal dos estatutos processuais. Pelo contrário, o julgamento enfatiza a importância de considerar os aspectos humanos da realidade social e os imperativos éticos a eles relacionados. O tribunal afasta uma leitura puramente técnica da Lei de Locações, ao incorporar princípios de boa-fé, justiça e dignidade humana, sobretudo ao reconhecer a vulnerabilidade do locatário na relação jurídica.

Essa abordagem, alinhada à perspectiva sociojurídica e evidenciada pela citação de Sylvio Capanema de Souza, demonstra um movimento da jurisprudência brasileira em direção a uma aplicação mais substancial do direito privado, em detrimento de um formalismo excessivo. As decisões judiciais passam a ser moldadas por suas consequências sociais, reforçando que o direito não deve se furtar a proteger os direitos individuais e a promover o bem-estar social, mitigando as dificuldades decorrentes das relações privadas.

A decisão do STJ "afasta uma leitura meramente técnica da Lei de Locações" e "incorpora princípios de boa-fé, justiça e dignidade humana". Isso não é apenas uma interpretação, mas uma "compreensão progressiva da justiça social e da proteção do locatário nas relações contratuais". A Lei de Locações, de 1991, é descrita como "viva e dinâmica", capaz de ser "reinterpretada e refinada por meio da atuação judicial". O texto culmina na ideia de que "os sistemas jurídicos não se restringem à aplicação literal da norma, mas visam, sobretudo, à realização da justiça social". Por meio dessa decisão, o STJ atua como um verdadeiro agente de mutação social do direito. A Corte não se limita a preencher uma lacuna legislativa; ela reinterpreta a lei sob uma lente contemporânea, alinhando-a a valores sociais e éticos que, talvez, não estivessem tão explícitos ou priorizados no momento da promulgação da lei. Isso estabelece um precedente poderoso para futuras interpretações, onde o "silêncio legislativo abre espaço à criatividade judicial" para buscar o "equilíbrio de interesses concorrentes" e moldar o direito às "exigências sociais, éticas e aos direitos humanos". É um exemplo paradigmático de como o Poder Judiciário pode impulsionar a evolução do direito privado em resposta às transformações sociais e aos desequilíbrios de poder inerentes a certas relações contratuais, demonstrando que a justiça não é estática, mas um processo contínuo de adaptação e aprimoramento. 

6. Exceção à Obrigatoriedade da Notificação Prévia

Apesar da regra geral de obrigatoriedade, o julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.812.465/MG contempla uma exceção crucial à exigência da notificação prévia: o proprietário poderá ajuizar a ação de despejo dentro dos 30 dias subsequentes ao término do prazo contratual originalmente pactuado. 

Nessa hipótese específica, a locação não chegou a ser prorrogada tacitamente por prazo indeterminado, o que a distingue fundamentalmente dos casos que exigem a notificação. Isso ocorre porque o locador manifestou, dentro do prazo legal de 30 dias após o término do contrato, sua oposição inequívoca à continuidade da relação locatícia. Conforme a lição de Sylvio Capanema de Souza, se o locador tem a intenção de reaver a posse do imóvel findo o prazo do contrato, basta que ajuíze a ação de despejo nos 30 dias que se seguirem ao término do prazo. Neste cenário, não há necessidade alguma de notificar premonitoriamente o locatário, uma vez que a resolução do vínculo contratual opera-se de forma automática pelo simples advento do termo final. 

A Lei de Locações estabelece uma distinção clara entre a extinção automática de um contrato com prazo determinado (conforme o caput do Artigo 46) e a sua prorrogação tácita por prazo indeterminado (prevista no § 1º do Artigo 46). Ao agir dentro do prazo de 30 dias subsequentes ao término contratual, o locador preserva os termos originais do contrato, e o locatário já possuía conhecimento prévio da data de encerramento do vínculo. Portanto, nesta situação, o elemento surpresa em relação ao término do contrato é completamente afastado, tornando a notificação prévia desnecessária e redundante.

Essa distinção é de fundamental importância no campo jurídico, pois está diretamente vinculada ao tempo preciso e à estratégia legal que deve ser adotada. Além disso, ela reforça que a notificação premonitória funciona primariamente como uma salvaguarda contra o fator surpresa em casos de prorrogação tácita do contrato. Representa, assim, uma aplicação matizada dos princípios legais, ajustada ao status contratual específico, buscando uma solução justa e equilibrada que considera os detalhes concretos da relação e não apenas uma aplicação rígida da norma.

A exceção à obrigatoriedade da notificação prévia, que permite o ajuizamento da ação de despejo nos 30 dias subsequentes ao término de um contrato com prazo determinado , é justificada pela ausência do "elemento surpresa". A premissa é que, se o contrato já tinha um termo final pré-definido e o locador age imediatamente após seu encerramento, o locatário já possuía conhecimento da data de desocupação.

Em contrapartida, a obrigatoriedade da notificação para contratos por prazo indeterminado é explicitamente para "reduzir os impactos negativos" e evitar a "surpresa" do locatário com o ajuizamento da ação.

O conceito de "surpresa" emerge como um critério jurídico balizador e fundamental na decisão do STJ. A notificação premonitória não é um fim em si mesma, mas um meio para mitigar a surpresa e seus consequentes prejuízos sociais e econômicos ao locatário. Isso demonstra uma aplicação do direito que transcende a mera formalidade, focando na proteção do indivíduo e na mitigação de danos, o que é um reflexo direto dos princípios sociais e humanitários que permearam a decisão. A lei é "ajustada à especificidade contratual, considerando os detalhes concretos e não de forma rígida" , buscando uma "solução justa e equilibrada" que se alinha à realidade das partes.

7. Impacto e Relevância da Decisão do STJ para o Direito Imobiliário

O julgado proferido no REsp 1.812.465/MG representa um verdadeiro marco jurisprudencial, consolidando a segurança jurídica no complexo campo das locações imobiliárias. Ao uniformizar a interpretação do Artigo 46, § 2º, da Lei de Locações, a decisão contribuiu significativamente para a redução da litigiosidade e da incerteza que antes permeavam as ações de despejo por denúncia vazia.

A decisão do STJ promove uma maior previsibilidade nas relações contratuais entre locadores e locatários, estabelecendo regras claras e um entendimento uniforme que orienta as partes e os operadores do direito. Um dos impactos mais relevantes da decisão é o reforço da proteção ao locatário, garantindo-lhe um tempo hábil para se organizar, procurar uma nova moradia e, assim, mitigar os prejuízos e transtornos inerentes ao processo de desocupação. Essa proteção se alinha diretamente ao caráter social e humanitário do processo legal, reconhecendo a vulnerabilidade do locatário na relação jurídica.

A tese firmada pelo STJ é paradigmática por harmonizar o direito fundamental de propriedade (garantido pelo Artigo 1.228 do Código Civil) com os princípios constitucionais da função social do contrato e da propriedade, que são pilares do direito civil contemporâneo. Embora o direito de denúncia vazia por parte do locador seja preservado, o exercício dessa prerrogativa passa a ser balizado por critérios que visam proteger o locatário, reconhecido como a parte mais vulnerável da relação jurídica. A decisão busca um equilíbrio justo entre os direitos individuais e coletivos, reforçando a ideia de que o direito não opera em um vácuo social, mas deve sempre considerar o contexto e as implicações sociais de suas aplicações.

A decisão demonstra de forma primorosa como os tribunais superiores têm se debruçado sobre os valores e as realidades contemporâneas, evidenciando uma compreensão progressiva da justiça social e da proteção do locatário nas relações contratuais. O julgamento ressalta que a Lei do Inquilinato, promulgada em 1991, não é uma norma estática; pelo contrário, ela permanece viva e dinâmica, podendo ser reinterpretada e refinada por meio da atuação judicial para continuar relevante e alinhada às expectativas da sociedade. Este é um exemplo claro de um processo contínuo de evolução do direito privado, que responde às transformações sociais e reforça que os sistemas jurídicos não se restringem à aplicação literal da norma, mas visam, sobretudo, à realização da justiça social.

O documento afirma que a decisão do STJ "promove previsibilidade", "reduz a litigiosidade", "reforça a proteção ao locatário" e "harmoniza o direito fundamental de propriedade com os princípios constitucionais da função social". Mais profundamente, ele sugere que o "silêncio legislativo abre espaço à criatividade judicial" e que o julgado "carrega em si uma perspectiva de futuro para o desenvolvimento jurídico das relações contratuais, especialmente naquelas marcadas pelo desequilíbrio de poder". Essa decisão serve como um modelo de como o Poder Judiciário pode e deve intervir para garantir a justiça em relações assimétricas, onde uma das partes (o locatário) é inerentemente mais vulnerável. Isso aponta para uma tendência de um direito privado cada vez mais "publicizado", onde os princípios constitucionais e sociais permeiam as relações entre particulares, afastando a visão puramente individualista do contrato e da propriedade.

8. Conclusão e Perspectivas Futuras

A decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.812.465/MG consolidou a obrigatoriedade da notificação premonitória como um pressuposto essencial e indispensável para as ações de despejo por denúncia vazia em locações residenciais por prazo indeterminado. A única exceção a essa regra ocorre na hipótese de ajuizamento da ação dentro dos 30 dias subsequentes ao término do contrato residencial originalmente pactuado, quando o vínculo é considerado encerrado automaticamente. A fundamentação dessa decisão transcendeu a mera interpretação literal do Artigo 46, § 2º, da Lei de Locações, sendo profundamente embasada em aspectos sociais e no princípio do aviso prévio de uma sanção, buscando mitigar os efeitos negativos e o elemento surpresa decorrentes da citação do locatário em ações de despejo. O julgado representa um verdadeiro marco para a segurança jurídica, a previsibilidade e a redução da litigiosidade no campo das locações imobiliárias, alinhando-se de forma exemplar ao caráter social e humanitário do processo legal. 

8.1. Recomendações Práticas para Locadores e Locatários

Para locadores, em contratos de locação residencial por prazo indeterminado, a notificação prévia formal e inequívoca ao locatário constitui um requisito sine qua non para a validade da ação de despejo por denúncia vazia. A ausência dessa notificação resultará, invariavelmente, na extinção do processo sem resolução de mérito, exigindo o reinício da demanda. Para contratos por prazo determinado, caso não haja interesse na prorrogação, é imperativo que a ação de despejo seja ajuizada dentro dos 30 dias subsequentes ao término do contrato. Agir nesse prazo dispensa a necessidade de notificação prévia, pois o locatário já tem conhecimento do termo final do contrato. Recomenda-se sempre buscar assessoria jurídica especializada antes de iniciar qualquer procedimento de despejo, a fim de garantir o cumprimento de todos os requisitos legais e evitar vícios processuais que possam atrasar ou inviabilizar a retomada do imóvel.

Para locatários, é fundamental que estejam cientes de seus direitos, especialmente no que tange à necessidade de notificação prévia em caso de denúncia vazia de contratos por prazo indeterminado. A notificação prévia não é apenas uma formalidade, mas uma salvaguarda que concede um prazo valioso para a busca de nova moradia e para a organização da mudança, mitigando significativamente os transtornos e prejuízos. Em caso de recebimento de uma ação de despejo por denúncia vazia em contrato por prazo indeterminado, sem que tenha havido prévia notificação, o locatário deve buscar imediatamente orientação jurídica, pois a ausência desse pressuposto processual pode levar à extinção do processo.

A decisão do STJ, ao elevar a notificação prévia a um pressuposto processual e ao fundamentar-se em princípios sociais, efetivamente "judicializa" ainda mais a relação locatícia, mesmo em casos de denúncia vazia. Isso implica que a "autonomia da vontade" das partes, embora respeitada, é balizada pela intervenção judicial e por princípios de ordem pública. As recomendações práticas, por sua vez, focam na necessidade de conformidade legal para locadores e na busca proativa por direitos para locatários. A judicialização, nesse contexto, não deve ser vista como um entrave, mas como um mecanismo de equilíbrio que garante a justiça social e a proteção da parte mais vulnerável. A ênfase na prevenção – por meio da notificação correta para locadores e do conhecimento aprofundado dos direitos para locatários – torna-se fundamental. Este relatório, ao oferecer recomendações práticas, transcende a mera análise teórica e se posiciona como um guia para a atuação jurídica preventiva, demonstrando que a segurança jurídica advém não apenas da clareza da lei, mas da sua correta aplicação e do conhecimento das partes sobre seus direitos e deveres. Isso reforça o papel do profissional do direito não apenas como litigante, mas como consultor estratégico e educador.

 

 

Referência bibliográfica

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.812.465 - MG. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 28 maio 2019. DJe 19 jun. 2020. Disponível em: . Acesso em: 20 de julho de 2025.


Destaque

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