1. Introdução: O
Cenário das Locações Residenciais e o Despejo no Brasil
O cenário das locações
residenciais no Brasil é regido por um arcabouço legal específico, a Lei nº
8.245/1991, popularmente conhecida como Lei do Inquilinato. Esta legislação
constitui o pilar fundamental do Direito Imobiliário brasileiro, estabelecendo
de forma abrangente os direitos e deveres tanto de locadores quanto de
locatários. A lei disciplina, ainda, as penalidades aplicáveis em casos de
descumprimento contratual e regulamenta as diversas modalidades de garantias
locatícias.
Seu foco primordial reside nas locações de natureza residencial, onde se busca
um equilíbrio delicado e essencial entre o direito de propriedade do locador,
uma garantia constitucional, e a função social da moradia, um princípio de
ordem pública que visa proteger o direito à habitação.
A
ação de despejo, por sua vez, emerge como o instrumento jurídico compulsório
para a retomada do imóvel. O Artigo 5º da Lei do Inquilinato é categórico ao
preceituar que, independentemente da causa ou fundamento que motive o término
da locação, a única via legal para o locador reaver a posse do imóvel é a
propositura da ação de despejo.
Este dispositivo legal sublinha a natureza judicial do procedimento de
desocupação, garantindo que o exercício do direito de retomada ocorra dentro
dos limites estabelecidos pela lei e sob a supervisão do Poder Judiciário.
A imposição da ação de despejo como a via exclusiva para reaver o imóvel, seja
qual for o fundamento do término da locação, transcende uma mera regra
processual. Esta medida reflete uma decisão legislativa deliberada de
judicializar integralmente o processo de retomada. Tal abordagem visa prevenir
a autotutela e garantir que toda desocupação seja submetida ao crivo judicial,
onde princípios constitucionais como o devido processo legal e a função social
da propriedade podem ser devidamente ponderados. A obrigatoriedade da ação de
despejo, mesmo em situações que poderiam parecer mais simples, demonstra a
prioridade legislativa em proteger o direito à moradia. Essa abordagem eleva a
complexidade do processo de retomada e exige a intervenção do Poder Judiciário
para assegurar a legalidade e a justiça social nas relações locatícias. Este
panorama já antecipava a necessidade de intervenções jurisprudenciais para
preencher lacunas, como a que se manifestaria no Artigo 46, evidenciando que a
proteção do locatário é um valor fundamental no sistema jurídico brasileiro.
O
presente relatório tem como tema central a análise aprofundada da retomada de
imóveis em locações residenciais, com especial ênfase nas modalidades de "denúncia vazia" e "denúncia
cheia". O ponto fulcral da discussão reside na obrigatoriedade da
notificação premonitória para a denúncia vazia em contratos por prazo
indeterminado, um entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)
que será detalhadamente explorado.
2.
Denúncia Vazia e Denúncia Cheia: Conceitos e Distinções Essenciais
No contexto das relações
locatícias, dois institutos jurídicos se destacam por sua relevância na
possibilidade de retomada do imóvel alugado: a denúncia vazia e a denúncia
cheia.
A compreensão precisa da distinção conceitual entre denúncia vazia (imotivada)
e denúncia cheia (motivada) é de suma importância para a correta interpretação
e aplicação dos dispositivos legais que regem a locação residencial.
2.1.
Denúncia Vazia (Imotivada)
A denúncia vazia é aplicável
quando o contrato de locação é celebrado por prazo indeterminado.
Neste cenário, o locador detém a prerrogativa de solicitar a desocupação do
imóvel com base em sua simples manifestação de vontade, sem a necessidade de
apresentar uma justificativa específica ou um motivo legal pré-determinado.
Para que o exercício desse direito seja considerado legítimo e válido
juridicamente, era e continua sendo exigida a prévia comunicação formal ao locatário,
na qual deve ser estipulado um prazo legal para a desocupação do bem.
Embora confira ao proprietário um maior controle sobre seu bem, a denúncia
vazia busca harmonizar o direito individual de propriedade, inclusive o de
reaver o bem, com o princípio da função social da propriedade, que se relaciona
intrinsecamente ao direito à moradia.
2.2.
Denúncia Cheia (Motivada)
A denúncia cheia, por sua vez, é
a modalidade aplicável aos contratos de locação que possuem prazo determinado.
Nesses casos, a retomada do imóvel pelo locador não pode ser arbitrária,
devendo estar fundamentada em uma das hipóteses expressamente previstas na Lei
do Inquilinato.
As justificativas legais que permitem a denúncia cheia incluem, mas não se
limitam a: a) inadimplência do locatário; b) infração de cláusulas contratuais;
ou c) necessidade de uso próprio do imóvel pelo locador, seja para moradia sua,
de cônjuge, companheiro ou descendente/ascendente que não possua imóvel próprio.
2.3.
Distinções Conceituais Essenciais
O conceito de "denúncia vazia" pode sugerir uma
simplicidade inerente, baseada na mera "manifestação
de vontade" do locador.
No entanto, o próprio material revela que, mesmo antes da pacificação do STJ,
já havia uma exigência de "prévia
comunicação formal".
A evolução jurisprudencial, ao tornar essa notificação um "pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do
processo",
demonstra que a "vazia" não
é, de fato, desprovida de requisitos formais e materiais. Ela é balizada por
princípios de boa-fé, função social e proteção do vulnerável, conforme
detalhado nos fundamentos da decisão do STJ.
A aparente simplicidade da "denúncia
vazia" é, portanto, desmistificada pela interpretação e pacificação
jurisprudencial. Ela não configura um direito absoluto e irrestrito do
proprietário, mas um direito condicionado a formalidades processuais e
princípios sociais que visam mitigar os impactos negativos para o locatário. A
decisão do STJ, ao exigir a notificação premonitória, transforma a "denúncia vazia" de uma ação
puramente "imotivada" para
uma ação que, embora não exija um motivo substancial para a retomada, é "motivada" por requisitos
processuais e sociais. Este cenário ilustra uma evolução do direito que
transcende a mera literalidade da lei, adaptando-a às realidades sociais e aos
valores contemporâneos.
3.
A Controvérsia Legislativa: A Omissão do Artigo 46 da Lei do Inquilinato
No âmbito da relação locatícia,
dois artigos da Lei de Locações se mostram particularmente relevantes para a
compreensão da controvérsia em torno da denúncia vazia: o Artigo 5º e o Artigo
46.
O Artigo 5º, como já mencionado, estabelece a ação de despejo como a medida
jurídica obrigatória para que o locador possa reaver o imóvel, qualquer que
seja o fundamento do término da locação.
A
principal controvérsia jurídica que levou à intervenção do STJ reside na
notável diferença de redação e nas implicações entre o caput e o § 2º do
Artigo 46 da Lei de Locações.
O caput deste
dispositivo prevê que, para contratos de locação residencial celebrados por
escrito e com prazo igual ou superior a trinta meses, o término do vínculo
contratual ocorre "independentemente
de notificação ou aviso".
Isso significa que, ao final do prazo determinado, a desocupação seria
automática, sem a necessidade de qualquer comunicação prévia formal por parte
do locador.
4. A Pacificação
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): Análise Detalhada do REsp 1.812.465/MG
A controvérsia jurídica, gerada
pela omissão legislativa no Artigo 46, foi definitivamente pacificada por meio
da decisão proferida no Recurso Especial (REsp) 1.812.465/MG.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), enquanto instância máxima responsável
pela unificação da interpretação do direito infraconstitucional em todo o
território nacional, desempenhou um papel institucional de inegável
importância. Ao consolidar o entendimento sobre a matéria, o STJ promoveu maior
segurança jurídica e previsibilidade nas relações locatícias.
4.1.
A Tese da Obrigatoriedade da Notificação Premonitória
Sob a relatoria da eminente
Ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.812.465/MG,
firmou o entendimento pela imperiosa necessidade da notificação premonitória.
A ementa do julgado expressa de forma inequívoca o posicionamento da Corte:
"RECURSO ESPECIAL CIVIL. LOCAÇÃO RESIDENCIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
AÇÃO DE DESPEJO. DENÚNCIA VAZIA. NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA. AUSÊNCIA.
OBRIGATORIEDADE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.".
Com essa decisão, o STJ pacificou
o entendimento de que a notificação premonitória é obrigatória para a denúncia
vazia, suprindo, assim, a lacuna deixada pelo legislador no Artigo 46, § 2º.Mais
do que uma mera formalidade, a notificação prévia foi categorizada como um
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo na
ação de despejo por denúncia vazia.
Isso significa que sua ausência impede que o processo judicial seja validamente
iniciado, tornando-a uma condição indispensável para a propositura eficaz da
demanda.
A tese firmada foi amplamente divulgada no informativo de jurisprudência 672 do
STJ, em 19 de junho de 2020, consolidando-se como orientação para casos futuros.
4.2.
Consequências da Ausência da Notificação Prévia
A principal e mais grave
consequência da ausência da notificação prévia do locatário é a extinção do
processo sem resolução de mérito.
Tal desfecho implica que o processo judicial não pode prosseguir em sua análise
de mérito, tornando imperativo o reinício da demanda judicial apenas quando
todos os requisitos essenciais, incluindo a notificação devidamente comprovada,
estiverem integralmente cumpridos.
Antes
do julgamento do REsp 1.812.465/MG, a exigência de notificação prévia para a
denúncia vazia era um ponto de divergência nos tribunais, com algumas correntes
admitindo que ela pudesse ser realizada "no
bojo da própria ação de despejo".
A decisão do STJ, no entanto, alterou fundamentalmente essa percepção, elevando
a notificação de uma simples formalidade ou ato meramente informativo a um
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Isso implica que a ausência da notificação não é um vício sanável durante o curso
do processo, mas uma falha intrínseca e fundamental que impede a própria
formação e validade da relação processual. Essa elevação do status jurídico da
notificação tem um impacto prático e estratégico de grande magnitude. Para o
locador, significa que a notificação não pode ser negligenciada ou tratada como
um "detalhe" a ser
resolvido após o ajuizamento da ação; ela é uma condição sine
qua non para a validade da demanda,
exigindo um planejamento prévio meticuloso e um cumprimento rigoroso. Para o locatário,
essa decisão reforça significativamente sua proteção, pois a ausência da
notificação resulta na extinção do processo, e não apenas em uma emenda ou
correção. Isso demonstra a seriedade com que o STJ aborda a proteção da parte
vulnerável na relação locatícia e a necessidade de eliminar o "elemento
surpresa", garantindo maior previsibilidade e justiça.
5. Fundamentos
Sociais e Princípios Jurídicos da Decisão do STJ
A decisão proferida pelo STJ não
se limitou a uma interpretação meramente técnica da Lei do Inquilinato; ela
incorporou e reforçou a importância da função social da propriedade e dos
contratos, mesmo no contexto da desocupação imotivada.
O julgado representa uma harmonização exemplar entre o direito fundamental de
propriedade, consagrado no Artigo 1.228 do Código Civil, e os princípios
constitucionais da função social do contrato e da propriedade, que são pilares
do direito civil contemporâneo e da ordem jurídica brasileira.
O
STJ, em sua fundamentação, destacou que o exercício de um direito individual
não pode, de forma alguma, prejudicar indevidamente a parte que se encontra em
posição de vulnerabilidade na relação jurídica.
A notificação prévia, nesse contexto, é concebida como uma medida protetiva
essencial em favor dos locatários. Ela visa assegurar uma salvaguarda
processual que não apenas previne litígios desnecessários, mas também contribui
significativamente para a redução dos conflitos jurídicos, ao garantir
transparência e tempo de reação à parte mais fraca.
Um
dos objetivos primordiais da notificação premonitória, conforme a decisão, é a
redução dos impactos negativos que invariavelmente surgem com a efetivação de
um despejo.
Ela busca, sobretudo, evitar o elemento surpresa para o locatário no momento do
ajuizamento da ação.
É de suma importância considerar que, na ausência de aviso prévio, o inquilino
poderia ser responsabilizado pelo ônus da sucumbência e pelos honorários
advocatícios, o que torna a exigência da notificação ainda mais crucial para a
proteção de seus interesses.
A notificação premonitória confere ao locatário um tempo precioso e
indispensável para que possa se preparar adequadamente para a desocupação do
imóvel e, consequentemente, para a busca e obtenção de uma nova moradia. Isso é
vital para minimizar os transtornos e dificuldades inerentes a uma mudança
forçada, especialmente diante dos desafios impostos pela busca de um novo lar.
Dessa forma, a notificação assume uma importante finalidade social, impedindo
que o prejuízo já inerente à mudança seja ainda mais agravado pela falta de
tempo e planejamento.
O
julgado do STJ faz uma referência direta e significativa à doutrina civilista
contemporânea, apontando para o princípio do aviso prévio de uma sanção.
Este é um princípio fundamental do direito contratual e processual que
estabelece o direito das partes em uma relação contratual de serem
cientificadas antes da imposição de qualquer restrição de direitos ou da
aplicação de uma sanção.
Há citação explícita do renomado doutrinador Sylvio Capanema de Souza, em sua obra "A Lei do Inquilinato
Comentada", que destaca a inegável finalidade social e a necessidade
prática da notificação premonitória.
Um
ponto crucial da decisão do STJ é o reconhecimento de que a aplicação do
direito não deve se restringir a uma interpretação meramente formalista e
literal dos estatutos processuais.
Pelo contrário, o julgamento enfatiza a importância de considerar os aspectos
humanos da realidade social e os imperativos éticos a eles relacionados.
O tribunal afasta uma leitura puramente técnica da Lei de Locações, ao
incorporar princípios de boa-fé, justiça e dignidade humana, sobretudo ao
reconhecer a vulnerabilidade do locatário na relação jurídica.
Essa abordagem, alinhada à
perspectiva sociojurídica e evidenciada pela citação de Sylvio Capanema de
Souza, demonstra um movimento da jurisprudência brasileira em direção a uma
aplicação mais substancial do direito privado, em detrimento de um formalismo
excessivo. As decisões judiciais passam a ser moldadas por suas consequências
sociais, reforçando que o direito não deve se furtar a proteger os direitos
individuais e a promover o bem-estar social, mitigando as dificuldades
decorrentes das relações privadas.
A
decisão do STJ "afasta uma leitura
meramente técnica da Lei de Locações" e "incorpora princípios de boa-fé, justiça e dignidade humana".
Isso não é apenas uma interpretação, mas uma "compreensão progressiva da justiça social e da proteção do
locatário nas relações contratuais".
A Lei de Locações, de 1991, é descrita como "viva
e dinâmica", capaz de ser "reinterpretada
e refinada por meio da atuação judicial".
O texto culmina na ideia de que "os sistemas jurídicos não se restringem à
aplicação literal da norma, mas visam, sobretudo, à realização da justiça
social".
Por meio dessa decisão, o STJ atua como um verdadeiro agente de mutação social
do direito. A Corte não se limita a preencher uma lacuna legislativa; ela
reinterpreta a lei sob uma lente contemporânea, alinhando-a a valores sociais e
éticos que, talvez, não estivessem tão explícitos ou priorizados no momento da
promulgação da lei. Isso estabelece um precedente poderoso para futuras
interpretações, onde o "silêncio
legislativo abre espaço à criatividade judicial" para buscar o "equilíbrio de interesses
concorrentes" e moldar o direito às "exigências sociais, éticas e aos direitos humanos". É um
exemplo paradigmático de como o Poder Judiciário pode impulsionar a evolução do
direito privado em resposta às transformações sociais e aos desequilíbrios de
poder inerentes a certas relações contratuais, demonstrando que a justiça não é
estática, mas um processo contínuo de adaptação e aprimoramento.
6.
Exceção à Obrigatoriedade da Notificação Prévia
Apesar da regra geral de
obrigatoriedade, o julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp
1.812.465/MG contempla uma exceção crucial à exigência da notificação prévia: o
proprietário poderá ajuizar a ação de despejo dentro dos 30 dias subsequentes
ao término do prazo contratual originalmente pactuado.
Nessa
hipótese específica, a locação não chegou a ser prorrogada tacitamente por
prazo indeterminado, o que a distingue fundamentalmente dos casos que exigem a
notificação.
Isso ocorre porque o locador manifestou, dentro do prazo legal de 30 dias após
o término do contrato, sua oposição inequívoca à continuidade da relação
locatícia.
Conforme a lição de Sylvio Capanema de Souza, se o locador tem a intenção de
reaver a posse do imóvel findo o prazo do contrato, basta que ajuíze a ação de
despejo nos 30 dias que se seguirem ao término do prazo. Neste cenário, não há
necessidade alguma de notificar premonitoriamente o locatário, uma vez que a
resolução do vínculo contratual opera-se de forma automática pelo simples
advento do termo final.
A
Lei de Locações estabelece uma distinção clara entre a extinção automática de
um contrato com prazo determinado (conforme o caput do Artigo 46) e a
sua prorrogação tácita por prazo indeterminado (prevista no § 1º do Artigo 46).
Ao agir dentro do prazo de 30 dias subsequentes ao término contratual, o
locador preserva os termos originais do contrato, e o locatário já possuía
conhecimento prévio da data de encerramento do vínculo.
Portanto, nesta situação, o elemento surpresa em relação ao término do contrato
é completamente afastado, tornando a notificação prévia desnecessária e
redundante.
Essa
distinção é de fundamental importância no campo jurídico, pois está diretamente
vinculada ao tempo preciso e à estratégia legal que deve ser adotada.
Além disso, ela reforça que a notificação premonitória funciona primariamente
como uma salvaguarda contra o fator surpresa em casos de prorrogação tácita do
contrato. Representa, assim, uma aplicação matizada dos princípios legais,
ajustada ao status contratual específico, buscando uma solução justa e equilibrada
que considera os detalhes concretos da relação e não apenas uma aplicação
rígida da norma.
A
exceção à obrigatoriedade da notificação prévia, que permite o ajuizamento da
ação de despejo nos 30 dias subsequentes ao término de um contrato com prazo
determinado ,
é justificada pela ausência do "elemento
surpresa". A premissa é que, se o contrato já tinha um termo final
pré-definido e o locador age imediatamente após seu encerramento, o locatário
já possuía conhecimento da data de desocupação.
Em contrapartida, a
obrigatoriedade da notificação para contratos por prazo indeterminado é
explicitamente para "reduzir os
impactos negativos" e evitar a "surpresa" do locatário com o
ajuizamento da ação.
O conceito de "surpresa"
emerge como um critério jurídico balizador e fundamental na decisão do STJ. A
notificação premonitória não é um fim em si mesma, mas um meio para mitigar a
surpresa e seus consequentes prejuízos sociais e econômicos ao locatário. Isso
demonstra uma aplicação do direito que transcende a mera formalidade, focando
na proteção do indivíduo e na mitigação de danos, o que é um reflexo direto dos
princípios sociais e humanitários que permearam a decisão. A lei é "ajustada à especificidade contratual,
considerando os detalhes concretos e não de forma rígida",
buscando uma "solução justa e
equilibrada" que se alinha à realidade das partes.
7.
Impacto e Relevância da Decisão do STJ para o Direito Imobiliário
O julgado proferido no REsp
1.812.465/MG representa um verdadeiro marco jurisprudencial, consolidando a
segurança jurídica no complexo campo das locações imobiliárias.
Ao uniformizar a interpretação do Artigo 46, § 2º, da Lei de Locações, a
decisão contribuiu significativamente para a redução da litigiosidade e da
incerteza que antes permeavam as ações de despejo por denúncia vazia.
A
decisão do STJ promove uma maior previsibilidade nas relações contratuais entre
locadores e locatários, estabelecendo regras claras e um entendimento uniforme
que orienta as partes e os operadores do direito.
Um dos impactos mais relevantes da decisão é o reforço da proteção ao
locatário, garantindo-lhe um tempo hábil para se organizar, procurar uma nova
moradia e, assim, mitigar os prejuízos e transtornos inerentes ao processo de
desocupação.
Essa proteção se alinha diretamente ao caráter social e humanitário do processo
legal, reconhecendo a vulnerabilidade do locatário na relação jurídica.
A
tese firmada pelo STJ é paradigmática por harmonizar o direito fundamental de
propriedade (garantido pelo Artigo 1.228 do Código Civil) com os princípios
constitucionais da função social do contrato e da propriedade, que são pilares
do direito civil contemporâneo.
Embora o direito de denúncia vazia por parte do locador seja preservado, o
exercício dessa prerrogativa passa a ser balizado por critérios que visam
proteger o locatário, reconhecido como a parte mais vulnerável da relação
jurídica.
A decisão busca um equilíbrio justo entre os direitos individuais e coletivos,
reforçando a ideia de que o direito não opera em um vácuo social, mas deve
sempre considerar o contexto e as implicações sociais de suas aplicações.
A
decisão demonstra de forma primorosa como os tribunais superiores têm se
debruçado sobre os valores e as realidades contemporâneas, evidenciando uma
compreensão progressiva da justiça social e da proteção do locatário nas
relações contratuais.
O julgamento ressalta que a Lei do Inquilinato, promulgada em 1991, não é uma
norma estática; pelo contrário, ela permanece viva e dinâmica, podendo ser
reinterpretada e refinada por meio da atuação judicial para continuar relevante
e alinhada às expectativas da sociedade.
Este é um exemplo claro de um processo contínuo de evolução do direito privado,
que responde às transformações sociais e reforça que os sistemas jurídicos não
se restringem à aplicação literal da norma, mas visam, sobretudo, à realização
da justiça social.
O
documento afirma que a decisão do STJ "promove
previsibilidade", "reduz a
litigiosidade", "reforça a proteção ao locatário" e
"harmoniza o direito fundamental de propriedade com os princípios
constitucionais da função social".
Mais profundamente, ele sugere que o "silêncio
legislativo abre espaço à criatividade judicial"e
que o julgado "carrega em si uma
perspectiva de futuro para o desenvolvimento jurídico das relações contratuais,
especialmente naquelas marcadas pelo desequilíbrio de poder".
Essa decisão serve como um modelo de como o Poder Judiciário pode e deve
intervir para garantir a justiça em relações assimétricas, onde uma das partes
(o locatário) é inerentemente mais vulnerável. Isso aponta para uma tendência
de um direito privado cada vez mais "publicizado", onde os princípios
constitucionais e sociais permeiam as relações entre particulares, afastando a
visão puramente individualista do contrato e da propriedade.
8. Conclusão e
Perspectivas Futuras
A decisão do Superior Tribunal de
Justiça no REsp 1.812.465/MG consolidou a obrigatoriedade da notificação
premonitória como um pressuposto essencial e indispensável para as ações de
despejo por denúncia vazia em locações residenciais por prazo indeterminado.
A única exceção a essa regra ocorre na hipótese de ajuizamento da ação dentro
dos 30 dias subsequentes ao término do contrato residencial originalmente
pactuado, quando o vínculo é considerado encerrado automaticamente.
A fundamentação dessa decisão transcendeu a mera interpretação literal do Artigo
46, § 2º, da Lei de Locações, sendo profundamente embasada em aspectos sociais
e no princípio do aviso prévio de uma sanção, buscando mitigar os efeitos
negativos e o elemento surpresa decorrentes da citação do locatário em ações de
despejo.
O julgado representa um verdadeiro marco para a segurança jurídica, a
previsibilidade e a redução da litigiosidade no campo das locações
imobiliárias, alinhando-se de forma exemplar ao caráter social e humanitário do
processo legal.
8.1.
Recomendações Práticas para Locadores e Locatários
Para locadores, em contratos de
locação residencial por prazo indeterminado, a notificação prévia formal e
inequívoca ao locatário constitui um requisito sine qua non para a
validade da ação de despejo por denúncia vazia. A ausência dessa notificação
resultará, invariavelmente, na extinção do processo sem resolução de mérito,
exigindo o reinício da demanda. Para contratos por prazo determinado, caso não
haja interesse na prorrogação, é imperativo que a ação de despejo seja ajuizada
dentro dos 30 dias subsequentes ao término do contrato. Agir nesse prazo
dispensa a necessidade de notificação prévia, pois o locatário já tem
conhecimento do termo final do contrato. Recomenda-se sempre buscar assessoria
jurídica especializada antes de iniciar qualquer procedimento de despejo, a fim
de garantir o cumprimento de todos os requisitos legais e evitar vícios
processuais que possam atrasar ou inviabilizar a retomada do imóvel.
Para locatários, é fundamental
que estejam cientes de seus direitos, especialmente no que tange à necessidade
de notificação prévia em caso de denúncia vazia de contratos por prazo
indeterminado. A notificação prévia não é apenas uma formalidade, mas uma salvaguarda
que concede um prazo valioso para a busca de nova moradia e para a organização
da mudança, mitigando significativamente os transtornos e prejuízos. Em caso de
recebimento de uma ação de despejo por denúncia vazia em contrato por prazo
indeterminado, sem que tenha havido prévia notificação, o locatário deve buscar
imediatamente orientação jurídica, pois a ausência desse pressuposto processual
pode levar à extinção do processo.
A decisão do STJ, ao elevar a
notificação prévia a um pressuposto processual e ao fundamentar-se em
princípios sociais, efetivamente "judicializa" ainda mais a relação
locatícia, mesmo em casos de denúncia vazia. Isso implica que a "autonomia
da vontade" das partes, embora respeitada, é balizada pela intervenção
judicial e por princípios de ordem pública. As recomendações práticas, por sua
vez, focam na necessidade de conformidade legal para locadores e na busca
proativa por direitos para locatários. A judicialização, nesse contexto, não
deve ser vista como um entrave, mas como um mecanismo de equilíbrio que garante
a justiça social e a proteção da parte mais vulnerável. A ênfase na prevenção –
por meio da notificação correta para locadores e do conhecimento aprofundado
dos direitos para locatários – torna-se fundamental. Este relatório, ao
oferecer recomendações práticas, transcende a mera análise teórica e se
posiciona como um guia para a atuação jurídica preventiva, demonstrando que a
segurança jurídica advém não apenas da clareza da lei, mas da sua correta
aplicação e do conhecimento das partes sobre seus direitos e deveres. Isso
reforça o papel do profissional do direito não apenas como litigante, mas como
consultor estratégico e educador.
Referência bibliográfica
BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Recurso Especial nº 1.812.465 - MG. Relatora: Ministra Nancy Andrighi.
Terceira Turma. Julgado em 28 maio 2019. DJe 19 jun. 2020. Disponível em: .
Acesso em: 20 de julho de 2025.
Contudo,
o § 1º do mesmo Artigo 46 introduz uma nuance crucial: se o locatário
permanecer no imóvel por mais de trinta dias após o término do contrato
original (com prazo determinado), a locação é tacitamente prorrogada e passa a
vigorar por tempo indeterminado, mantendo-se todas as cláusulas e condições anteriormente
pactuadas.
É precisamente nesse contexto de prorrogação do contrato para prazo
indeterminado que surge a controvérsia. O § 2º do Artigo 46 estabelece que, uma
vez que o contrato passe a vigorar por prazo indeterminado, o locador poderá
denunciar o contrato a qualquer tempo, concedendo ao locatário um prazo de 30
dias para a desocupação.
A omissão legislativa crucial aqui é que, ao permitir essa denúncia (a denúncia
vazia), o legislador "omitiu a
exigência expressa de comunicação prévia", diferentemente do que foi
explicitado no caput para o
término de contratos com prazo determinado.
Essa
lacuna normativa, ou seja, a ausência de uma previsão expressa de notificação
prévia para a denúncia vazia no § 2º do Artigo 46, em contraste com a clareza
do caput para contratos com prazo determinado, gerou considerável
insegurança jurídica.
Consequentemente, levou os jurisdicionados aos tribunais em busca de uma
interpretação judicial mais precisa e uniforme.
Antes da pacificação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), existiam
entendimentos divergentes entre os tribunais: algumas decisões admitiam que a
notificação poderia ser realizada no bojo da própria ação de despejo,
tratando-a como um mero ato processual informativo ao locatário sobre a rescisão
e a necessidade de desocupação. Outras correntes, por sua vez, já defendiam a
obrigatoriedade do aviso prévio
antes do ajuizamento da ação de despejo, como condição para sua
validade.
A
omissão legislativa no Art. 46, § 2º da Lei do Inquilinato não pode ser vista
apenas como um erro técnico ou um descuido na redação. Pelo contrário, ela
representa um ponto de fricção onde os interesses do locador (que busca uma
retomada facilitada de seu bem, especialmente em contratos por prazo
indeterminado) colidem com os interesses do locatário (que necessita de
previsibilidade e proteção da moradia). O legislador de 1991, ao redigir o caput
com clareza sobre a dispensa de aviso para contratos determinados e o § 2º com
a omissão para contratos indeterminados, pode ter subestimado as profundas
implicações sociais da denúncia vazia ou, talvez, priorizado a liberdade
contratual e o direito de propriedade em detrimento da segurança e estabilidade
do locatário em contratos mais flexíveis. Essa lacuna normativa expõe uma tensão
inerente na Lei do Inquilinato entre a proteção do direito de propriedade e a
garantia da função social da moradia. A subsequente necessidade de intervenção
judicial por parte do STJ para suprir essa omissão demonstra que a lei, em sua
formulação original, não conseguiu resolver completamente esse dilema. Isso
exigiu uma interpretação evolutiva e adaptativa para que a norma se alinhasse
às realidades sociais e aos princípios constitucionais mais amplos. Tal cenário
sublinha que o direito não é uma entidade estática; a jurisprudência, neste
caso, desempenha um papel crucial na sua adaptação, aperfeiçoamento e na busca
por um equilíbrio justo entre os direitos em conflito.
4. A Pacificação
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): Análise Detalhada do REsp 1.812.465/MG
A controvérsia jurídica, gerada
pela omissão legislativa no Artigo 46, foi definitivamente pacificada por meio
da decisão proferida no Recurso Especial (REsp) 1.812.465/MG.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), enquanto instância máxima responsável
pela unificação da interpretação do direito infraconstitucional em todo o
território nacional, desempenhou um papel institucional de inegável
importância. Ao consolidar o entendimento sobre a matéria, o STJ promoveu maior
segurança jurídica e previsibilidade nas relações locatícias.
4.1.
A Tese da Obrigatoriedade da Notificação Premonitória
Sob a relatoria da eminente
Ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.812.465/MG,
firmou o entendimento pela imperiosa necessidade da notificação premonitória.
A ementa do julgado expressa de forma inequívoca o posicionamento da Corte:
"RECURSO ESPECIAL CIVIL. LOCAÇÃO RESIDENCIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
AÇÃO DE DESPEJO. DENÚNCIA VAZIA. NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA. AUSÊNCIA.
OBRIGATORIEDADE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.".
Com essa decisão, o STJ pacificou
o entendimento de que a notificação premonitória é obrigatória para a denúncia
vazia, suprindo, assim, a lacuna deixada pelo legislador no Artigo 46, § 2º.
Mais
do que uma mera formalidade, a notificação prévia foi categorizada como um
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo na
ação de despejo por denúncia vazia.
Isso significa que sua ausência impede que o processo judicial seja validamente
iniciado, tornando-a uma condição indispensável para a propositura eficaz da
demanda.
A tese firmada foi amplamente divulgada no informativo de jurisprudência 672 do
STJ, em 19 de junho de 2020, consolidando-se como orientação para casos futuros.
4.2.
Consequências da Ausência da Notificação Prévia
A principal e mais grave
consequência da ausência da notificação prévia do locatário é a extinção do
processo sem resolução de mérito.
Tal desfecho implica que o processo judicial não pode prosseguir em sua análise
de mérito, tornando imperativo o reinício da demanda judicial apenas quando
todos os requisitos essenciais, incluindo a notificação devidamente comprovada,
estiverem integralmente cumpridos.
Antes
do julgamento do REsp 1.812.465/MG, a exigência de notificação prévia para a
denúncia vazia era um ponto de divergência nos tribunais, com algumas correntes
admitindo que ela pudesse ser realizada "no
bojo da própria ação de despejo".
A decisão do STJ, no entanto, alterou fundamentalmente essa percepção, elevando
a notificação de uma simples formalidade ou ato meramente informativo a um
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Isso implica que a ausência da notificação não é um vício sanável durante o curso
do processo, mas uma falha intrínseca e fundamental que impede a própria
formação e validade da relação processual. Essa elevação do status jurídico da
notificação tem um impacto prático e estratégico de grande magnitude. Para o
locador, significa que a notificação não pode ser negligenciada ou tratada como
um "detalhe" a ser
resolvido após o ajuizamento da ação; ela é uma condição
sine
qua non para a validade da demanda,
exigindo um planejamento prévio meticuloso e um cumprimento rigoroso. Para o locatário,
essa decisão reforça significativamente sua proteção, pois a ausência da
notificação resulta na extinção do processo, e não apenas em uma emenda ou
correção. Isso demonstra a seriedade com que o STJ aborda a proteção da parte
vulnerável na relação locatícia e a necessidade de eliminar o "elemento
surpresa", garantindo maior previsibilidade e justiça.
5. Fundamentos
Sociais e Princípios Jurídicos da Decisão do STJ
A decisão proferida pelo STJ não
se limitou a uma interpretação meramente técnica da Lei do Inquilinato; ela
incorporou e reforçou a importância da função social da propriedade e dos
contratos, mesmo no contexto da desocupação imotivada.
O julgado representa uma harmonização exemplar entre o direito fundamental de
propriedade, consagrado no Artigo 1.228 do Código Civil, e os princípios
constitucionais da função social do contrato e da propriedade, que são pilares
do direito civil contemporâneo e da ordem jurídica brasileira.
O
STJ, em sua fundamentação, destacou que o exercício de um direito individual
não pode, de forma alguma, prejudicar indevidamente a parte que se encontra em
posição de vulnerabilidade na relação jurídica.
A notificação prévia, nesse contexto, é concebida como uma medida protetiva
essencial em favor dos locatários. Ela visa assegurar uma salvaguarda
processual que não apenas previne litígios desnecessários, mas também contribui
significativamente para a redução dos conflitos jurídicos, ao garantir
transparência e tempo de reação à parte mais fraca.
Um
dos objetivos primordiais da notificação premonitória, conforme a decisão, é a
redução dos impactos negativos que invariavelmente surgem com a efetivação de
um despejo.
Ela busca, sobretudo, evitar o elemento surpresa para o locatário no momento do
ajuizamento da ação.
É de suma importância considerar que, na ausência de aviso prévio, o inquilino
poderia ser responsabilizado pelo ônus da sucumbência e pelos honorários
advocatícios, o que torna a exigência da notificação ainda mais crucial para a
proteção de seus interesses.
A notificação premonitória confere ao locatário um tempo precioso e
indispensável para que possa se preparar adequadamente para a desocupação do
imóvel e, consequentemente, para a busca e obtenção de uma nova moradia. Isso é
vital para minimizar os transtornos e dificuldades inerentes a uma mudança
forçada, especialmente diante dos desafios impostos pela busca de um novo lar.
Dessa forma, a notificação assume uma importante finalidade social, impedindo
que o prejuízo já inerente à mudança seja ainda mais agravado pela falta de
tempo e planejamento.
O
julgado do STJ faz uma referência direta e significativa à doutrina civilista
contemporânea, apontando para o princípio do aviso prévio de uma sanção.
Este é um princípio fundamental do direito contratual e processual que
estabelece o direito das partes em uma relação contratual de serem
cientificadas antes da imposição de qualquer restrição de direitos ou da
aplicação de uma sanção.
Há citação explícita do renomado doutrinador Sylvio Capanema de Souza, em sua obra "A Lei do Inquilinato
Comentada", que destaca a inegável finalidade social e a necessidade
prática da notificação premonitória.
Um
ponto crucial da decisão do STJ é o reconhecimento de que a aplicação do
direito não deve se restringir a uma interpretação meramente formalista e
literal dos estatutos processuais.
Pelo contrário, o julgamento enfatiza a importância de considerar os aspectos
humanos da realidade social e os imperativos éticos a eles relacionados.
O tribunal afasta uma leitura puramente técnica da Lei de Locações, ao
incorporar princípios de boa-fé, justiça e dignidade humana, sobretudo ao
reconhecer a vulnerabilidade do locatário na relação jurídica.
Essa abordagem, alinhada à
perspectiva sociojurídica e evidenciada pela citação de Sylvio Capanema de
Souza, demonstra um movimento da jurisprudência brasileira em direção a uma
aplicação mais substancial do direito privado, em detrimento de um formalismo
excessivo. As decisões judiciais passam a ser moldadas por suas consequências
sociais, reforçando que o direito não deve se furtar a proteger os direitos
individuais e a promover o bem-estar social, mitigando as dificuldades
decorrentes das relações privadas.
A
decisão do STJ "afasta uma leitura
meramente técnica da Lei de Locações" e "incorpora princípios de boa-fé, justiça e dignidade humana".
Isso não é apenas uma interpretação, mas uma "compreensão progressiva da justiça social e da proteção do
locatário nas relações contratuais".
A Lei de Locações, de 1991, é descrita como "viva
e dinâmica", capaz de ser "reinterpretada
e refinada por meio da atuação judicial".
O texto culmina na ideia de que "os sistemas jurídicos não se restringem à
aplicação literal da norma, mas visam, sobretudo, à realização da justiça
social".
Por meio dessa decisão, o STJ atua como um verdadeiro agente de mutação social
do direito. A Corte não se limita a preencher uma lacuna legislativa; ela
reinterpreta a lei sob uma lente contemporânea, alinhando-a a valores sociais e
éticos que, talvez, não estivessem tão explícitos ou priorizados no momento da
promulgação da lei. Isso estabelece um precedente poderoso para futuras
interpretações, onde o "silêncio
legislativo abre espaço à criatividade judicial" para buscar o "equilíbrio de interesses
concorrentes" e moldar o direito às "exigências sociais, éticas e aos direitos humanos". É um
exemplo paradigmático de como o Poder Judiciário pode impulsionar a evolução do
direito privado em resposta às transformações sociais e aos desequilíbrios de
poder inerentes a certas relações contratuais, demonstrando que a justiça não é
estática, mas um processo contínuo de adaptação e aprimoramento.
6.
Exceção à Obrigatoriedade da Notificação Prévia
Apesar da regra geral de
obrigatoriedade, o julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp
1.812.465/MG contempla uma exceção crucial à exigência da notificação prévia: o
proprietário poderá ajuizar a ação de despejo dentro dos 30 dias subsequentes
ao término do prazo contratual originalmente pactuado.
Nessa
hipótese específica, a locação não chegou a ser prorrogada tacitamente por
prazo indeterminado, o que a distingue fundamentalmente dos casos que exigem a
notificação.
Isso ocorre porque o locador manifestou, dentro do prazo legal de 30 dias após
o término do contrato, sua oposição inequívoca à continuidade da relação
locatícia.
Conforme a lição de Sylvio Capanema de Souza, se o locador tem a intenção de
reaver a posse do imóvel findo o prazo do contrato, basta que ajuíze a ação de
despejo nos 30 dias que se seguirem ao término do prazo. Neste cenário, não há
necessidade alguma de notificar premonitoriamente o locatário, uma vez que a
resolução do vínculo contratual opera-se de forma automática pelo simples
advento do termo final.
A
Lei de Locações estabelece uma distinção clara entre a extinção automática de
um contrato com prazo determinado (conforme o caput do Artigo 46) e a
sua prorrogação tácita por prazo indeterminado (prevista no § 1º do Artigo 46).
Ao agir dentro do prazo de 30 dias subsequentes ao término contratual, o
locador preserva os termos originais do contrato, e o locatário já possuía
conhecimento prévio da data de encerramento do vínculo.
Portanto, nesta situação, o elemento surpresa em relação ao término do contrato
é completamente afastado, tornando a notificação prévia desnecessária e
redundante.
Essa
distinção é de fundamental importância no campo jurídico, pois está diretamente
vinculada ao tempo preciso e à estratégia legal que deve ser adotada.
Além disso, ela reforça que a notificação premonitória funciona primariamente
como uma salvaguarda contra o fator surpresa em casos de prorrogação tácita do
contrato. Representa, assim, uma aplicação matizada dos princípios legais,
ajustada ao status contratual específico, buscando uma solução justa e equilibrada
que considera os detalhes concretos da relação e não apenas uma aplicação
rígida da norma.
A
exceção à obrigatoriedade da notificação prévia, que permite o ajuizamento da
ação de despejo nos 30 dias subsequentes ao término de um contrato com prazo
determinado ,
é justificada pela ausência do "elemento
surpresa". A premissa é que, se o contrato já tinha um termo final
pré-definido e o locador age imediatamente após seu encerramento, o locatário
já possuía conhecimento da data de desocupação. Em contrapartida, a
obrigatoriedade da notificação para contratos por prazo indeterminado é
explicitamente para "reduzir os
impactos negativos" e evitar a "surpresa" do locatário com o
ajuizamento da ação.
O conceito de "surpresa"
emerge como um critério jurídico balizador e fundamental na decisão do STJ. A
notificação premonitória não é um fim em si mesma, mas um meio para mitigar a
surpresa e seus consequentes prejuízos sociais e econômicos ao locatário. Isso
demonstra uma aplicação do direito que transcende a mera formalidade, focando
na proteção do indivíduo e na mitigação de danos, o que é um reflexo direto dos
princípios sociais e humanitários que permearam a decisão. A lei é "ajustada à especificidade contratual,
considerando os detalhes concretos e não de forma rígida",
buscando uma "solução justa e
equilibrada" que se alinha à realidade das partes.
7.
Impacto e Relevância da Decisão do STJ para o Direito Imobiliário
O julgado proferido no REsp
1.812.465/MG representa um verdadeiro marco jurisprudencial, consolidando a
segurança jurídica no complexo campo das locações imobiliárias.
Ao uniformizar a interpretação do Artigo 46, § 2º, da Lei de Locações, a
decisão contribuiu significativamente para a redução da litigiosidade e da
incerteza que antes permeavam as ações de despejo por denúncia vazia.
A
decisão do STJ promove uma maior previsibilidade nas relações contratuais entre
locadores e locatários, estabelecendo regras claras e um entendimento uniforme
que orienta as partes e os operadores do direito.
Um dos impactos mais relevantes da decisão é o reforço da proteção ao
locatário, garantindo-lhe um tempo hábil para se organizar, procurar uma nova
moradia e, assim, mitigar os prejuízos e transtornos inerentes ao processo de
desocupação.
Essa proteção se alinha diretamente ao caráter social e humanitário do processo
legal, reconhecendo a vulnerabilidade do locatário na relação jurídica.
A
tese firmada pelo STJ é paradigmática por harmonizar o direito fundamental de
propriedade (garantido pelo Artigo 1.228 do Código Civil) com os princípios
constitucionais da função social do contrato e da propriedade, que são pilares
do direito civil contemporâneo.
Embora o direito de denúncia vazia por parte do locador seja preservado, o
exercício dessa prerrogativa passa a ser balizado por critérios que visam
proteger o locatário, reconhecido como a parte mais vulnerável da relação
jurídica.
A decisão busca um equilíbrio justo entre os direitos individuais e coletivos,
reforçando a ideia de que o direito não opera em um vácuo social, mas deve
sempre considerar o contexto e as implicações sociais de suas aplicações.
A
decisão demonstra de forma primorosa como os tribunais superiores têm se
debruçado sobre os valores e as realidades contemporâneas, evidenciando uma
compreensão progressiva da justiça social e da proteção do locatário nas
relações contratuais.
O julgamento ressalta que a Lei do Inquilinato, promulgada em 1991, não é uma
norma estática; pelo contrário, ela permanece viva e dinâmica, podendo ser
reinterpretada e refinada por meio da atuação judicial para continuar relevante
e alinhada às expectativas da sociedade.
Este é um exemplo claro de um processo contínuo de evolução do direito privado,
que responde às transformações sociais e reforça que os sistemas jurídicos não
se restringem à aplicação literal da norma, mas visam, sobretudo, à realização
da justiça social.
O
documento afirma que a decisão do STJ "promove
previsibilidade", "reduz a
litigiosidade", "reforça a proteção ao locatário" e
"harmoniza o direito fundamental de propriedade com os princípios
constitucionais da função social".
Mais profundamente, ele sugere que o "silêncio
legislativo abre espaço à criatividade judicial"e
que o julgado "carrega em si uma
perspectiva de futuro para o desenvolvimento jurídico das relações contratuais,
especialmente naquelas marcadas pelo desequilíbrio de poder".
Essa decisão serve como um modelo de como o Poder Judiciário pode e deve
intervir para garantir a justiça em relações assimétricas, onde uma das partes
(o locatário) é inerentemente mais vulnerável. Isso aponta para uma tendência
de um direito privado cada vez mais "publicizado", onde os princípios
constitucionais e sociais permeiam as relações entre particulares, afastando a
visão puramente individualista do contrato e da propriedade.
8. Conclusão e
Perspectivas Futuras
A decisão do Superior Tribunal de
Justiça no REsp 1.812.465/MG consolidou a obrigatoriedade da notificação
premonitória como um pressuposto essencial e indispensável para as ações de
despejo por denúncia vazia em locações residenciais por prazo indeterminado.
A única exceção a essa regra ocorre na hipótese de ajuizamento da ação dentro
dos 30 dias subsequentes ao término do contrato residencial originalmente
pactuado, quando o vínculo é considerado encerrado automaticamente.
A fundamentação dessa decisão transcendeu a mera interpretação literal do Artigo
46, § 2º, da Lei de Locações, sendo profundamente embasada em aspectos sociais
e no princípio do aviso prévio de uma sanção, buscando mitigar os efeitos
negativos e o elemento surpresa decorrentes da citação do locatário em ações de
despejo.
O julgado representa um verdadeiro marco para a segurança jurídica, a
previsibilidade e a redução da litigiosidade no campo das locações
imobiliárias, alinhando-se de forma exemplar ao caráter social e humanitário do
processo legal.
8.1.
Recomendações Práticas para Locadores e Locatários
Para locadores, em contratos de
locação residencial por prazo indeterminado, a notificação prévia formal e
inequívoca ao locatário constitui um requisito sine qua non para a
validade da ação de despejo por denúncia vazia. A ausência dessa notificação
resultará, invariavelmente, na extinção do processo sem resolução de mérito,
exigindo o reinício da demanda. Para contratos por prazo determinado, caso não
haja interesse na prorrogação, é imperativo que a ação de despejo seja ajuizada
dentro dos 30 dias subsequentes ao término do contrato. Agir nesse prazo
dispensa a necessidade de notificação prévia, pois o locatário já tem
conhecimento do termo final do contrato. Recomenda-se sempre buscar assessoria
jurídica especializada antes de iniciar qualquer procedimento de despejo, a fim
de garantir o cumprimento de todos os requisitos legais e evitar vícios
processuais que possam atrasar ou inviabilizar a retomada do imóvel.
Para locatários, é fundamental
que estejam cientes de seus direitos, especialmente no que tange à necessidade
de notificação prévia em caso de denúncia vazia de contratos por prazo
indeterminado. A notificação prévia não é apenas uma formalidade, mas uma salvaguarda
que concede um prazo valioso para a busca de nova moradia e para a organização
da mudança, mitigando significativamente os transtornos e prejuízos. Em caso de
recebimento de uma ação de despejo por denúncia vazia em contrato por prazo
indeterminado, sem que tenha havido prévia notificação, o locatário deve buscar
imediatamente orientação jurídica, pois a ausência desse pressuposto processual
pode levar à extinção do processo.
A decisão do STJ, ao elevar a
notificação prévia a um pressuposto processual e ao fundamentar-se em
princípios sociais, efetivamente "judicializa" ainda mais a relação
locatícia, mesmo em casos de denúncia vazia. Isso implica que a "autonomia
da vontade" das partes, embora respeitada, é balizada pela intervenção
judicial e por princípios de ordem pública. As recomendações práticas, por sua
vez, focam na necessidade de conformidade legal para locadores e na busca
proativa por direitos para locatários. A judicialização, nesse contexto, não
deve ser vista como um entrave, mas como um mecanismo de equilíbrio que garante
a justiça social e a proteção da parte mais vulnerável. A ênfase na prevenção –
por meio da notificação correta para locadores e do conhecimento aprofundado
dos direitos para locatários – torna-se fundamental. Este relatório, ao
oferecer recomendações práticas, transcende a mera análise teórica e se
posiciona como um guia para a atuação jurídica preventiva, demonstrando que a
segurança jurídica advém não apenas da clareza da lei, mas da sua correta
aplicação e do conhecimento das partes sobre seus direitos e deveres. Isso
reforça o papel do profissional do direito não apenas como litigante, mas como
consultor estratégico e educador.
Referência bibliográfica
BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Recurso Especial nº 1.812.465 - MG. Relatora: Ministra Nancy Andrighi.
Terceira Turma. Julgado em 28 maio 2019. DJe 19 jun. 2020. Disponível em: .
Acesso em: 20 de julho de 2025.